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Programa de Intervenção Social realizado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) (Programa 4 (I), Trilha 2): Sistema Nacional de Saúde (SNS).

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Programa de Intervenção Social realizado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) (Programa 4 (I), Trilha 2): Sistema Nacional de Saúde (SNS).

Detalhes do registo

Nível de descrição

Documento simples   Documento simples

Código de referência

PT/ADN/EMGFA/5DIV/022/008

Título

Programa de Intervenção Social realizado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) (Programa 4 (I), Trilha 2): Sistema Nacional de Saúde (SNS).

Datas de produção

1975  a  1975 

Dimensão e suporte

1 ficheiro áudio MP4, 30m41.

Registo audiovisual

https://vimeo.com/1085447258

Âmbito e conteúdo

Programa emitido pela Emissora Nacional e produzido pelo Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), que se inicia com um pensamento sobre um povo inculto e doente e um povo culto e saudável. É feita uma abordagem à criação de um Sistema Nacional de saúde, acompanhada de uma reflexão sobre a questão da saúde em Portugal. Faz-se um alerta para a criação de um Sistema de Saúde feito à medida da nossa realidade sem se copiarem modelos feitos noutros países e apela-se a que as classes assalariadas tomem nas suas mãos o assunto cultura e a saúde. Boletim noticioso e notícias internacionais. O programa prossegue com a leitura de uma carta, de resposta, da Laurinda (que vive na província) ao primo Aníbal (que vive na cidade) e onde a Laurinda faz referência às diversas dificuldades que a população que vive no campo atravessa, acusa “as Cidades" de explorarem “os Campos" e a resposta do primo Aníbal. As várias temáticas abordadas são intercaladas com música.

Cota antiga

P4P1

Idioma e escrita

Português

Características físicas e requisitos técnicos

Gravação com qualidade bastante sofrivel.

Existência e localização de originais

Áudio analógico (em fita de arrasto).

Existência e localização de cópias

Ficheiros digitais WAP (matriz), MP3 e MP4 (derivadas).

Transcrição

Um povo inculto e doente será sempre escravo do sistema capitalista que maior força tiver na região do mundo em que se encontra. Um povo culto e saudável poderá escolher o sistema socialista em que quer viver. Desde maio de 1964 que os técnicos têm discutido e rediscutido a criação de um sistema nacional de saúde. De facto, o projeto de 1961, que era muitíssimo avançado para a altura em que foi proposto e por causa disso foi sempre boicotado pelo regime ultra-conservador de antes do 25 de abril, esse projeto foi depressa ultrapassado, pelo grande salto em frente da revolução portuguesa. A criação de um serviço nacional de saúde também tem sido discutida por partidos políticos, cada um com o seu projeto, e por organizações de base. O destino da previdência, o saber se a medicina deve ou não ser socializada, se os hospitais são bons ou se são maus, se a saúde portuguesa está ou não está em boas mãos, tudo tem sido atacado e defendido, dito e redito, e tudo continua na mesma. Na mesma, não, alguma coisa avançou, de facto houve uma certa democratização de estruturas internas, o que permitiu em vários mundos, lugares do aparelho da saúde a resolução de problemas que a anterior máquina administrativa, emperrada, travava sistematicamente. O que não se encontrou foi um sistema simples, útil, eficaz e económico de bem atender as pessoas quando sentem que algo de mal se passa com a sua saúde. E porquê? Uma questão desta natureza, resolve-se com o poder criativo das pessoas a quem esse benefício se destina, mas o que aconteceu até agora, foi que a chave do problema da saúde, em Portugal, tem sido procurada, quase exclusivamente, pelos técnicos e por meia dúzia de interessados. Porém, para que as pessoas se possam pronunciar devem possuir, de antemão, os dados que lhes permitam refletir e criar. Tais dados encontram-se, atualmente, na posse dos técnicos e sente-se que uma grande parte deles se encontra, claramente, na disposição de transmitir aquilo que sabem. Portanto, existem as condições, resta, pois, que os motores naturais do processo deem o impulso necessário. E quem são esses motores naturais? São todos os trabalhadores produtivos, cuja força de trabalho se troca por um salário. Dentro deles parece, até, haver um grupo que desempenhará um papel fundamental, seguidamente mandatado pela sua classe de origem. Na devolução dos destinos da saúde aos seus legítimos proprietários, que somos afinal todos e cada um de nós. Esse grupo são os trabalhadores-estudantes, que parecem ser no momento presente, os que se encontram em melhores condições para compreender o que se passa, ou seja, que toda a soma de vitórias económicas sobre as classes dominantes redundará numa derrota final se ao mesmo tempo as classes assalariadas não tomarem nas mãos as duas grandes armas, até aqui instrumento da sua própria dominação, a cultura e a saúde.04m00: Os trabalhadores produtivos e nomeadamente os trabalhadores-estudantes aliando-se ao MFA e aos intelectuais interessados na evolução socialista, darão um passo natural em frente, ao impulsionarem no seu interior os órgãos autónomos dos trabalhadores. Dos concelhos da aldeia às comissões de moradores, das comissões revolucionárias de trabalhadores às assembleias de delegados de Unidade, no sentido, de chamar a si os técnicos da saúde. Esses mesmos técnicos serão chamados, não para transmitir uma verdade única ou acabada, mas para discutir com as pessoas, dando-lhes a sua própria visão do problema. A criação, do tal, serviço nacional de saúde em que tanta gente pensa e que terá de ser necessariamente à medida da nossa realidade, sem cair na ilusão de copiar modelos seguidos nos países A, B ou C. O termo técnico de saúde, faz-nos lembrar o problema da consciência socialista. Técnicos de saúde não são apenas os que nos tratam quando estamos doentes. Técnicos de saúde são os pedreiros, os eletricistas, os engenheiros, os canalizadores, todos os trabalhadores assalariados que constroem novas canalizações de água ou esgoto, que montam um novo ramal elétrico, que dão cabo de um pântano, ou os que, por qualquer forma, lutam contra todo o tipo de poluição. São também todos os que compreendem e travam uma batalha para que estejamos no mundo para viver e não para morrer. É necessário que cada um de nós avalie toda a extensão do seu dia-a-dia, os seus destinos e fins, para que compreenda melhor o que é que pode fazer na prática para a revolução socialista. Também no setor da saúde se encontram alguns aspetos da contradição cidade/campo. Sabemos que o problema da saúde não se resolve apenas com médicos, de facto, verifica-se que dois terços dos médicos servem três milhões de portugueses, nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra. Todo o resto de Portugal, cerca de cinco milhões de habitantes, tem, apenas, à sua disposição um terço dos médicos. E quem diz médicos, diz enfermeiros, técnicos, paramédicos, assistentes sociais, etc. Este é um dos aspetos da exploração do campo pela cidade, o qual fruto de um passado colonizador, teremos de ser nós a resolver. Lembramos de que a libertação dos trabalhadores, deverá ser obra de todos os trabalhadores e isso passa pela libertação de todos os explorados, nenhum trabalhador será livre enquanto houver um homem explorado.06m40: Estado Maior General das Forças Armadas.07m14: Com a aproximação do sinal horário das dez, vamos interromper o programa especial do Estado Maior General das Forças Armadas, que está no ar à cerca de três quartos de hora. Logo que esteja concluído o boletim noticioso que a Emissora Nacional preparou para as dez da manhã, voltaremos a aparecer.09m22: (Boletim noticioso) As notícias às dez horas. O General Otelo Saraiva de Carvalho considerou positiva uma reunião em que participou, ontem à noite, no Quartel-General da região Militar de Lisboa, conjuntamente com Comandantes e Oficiais de algumas Unidades, que não estiveram presentes numa outra reunião, ontem havida no Forte do Alto do Duque, Sé do COPCOM, e da qual saíram uma oposição frontal à nomeação do Capitão Vasco Lourenço, que era Comandante da região militar de Lisboa. Saraiva de Carvalho explicou aos jornalistas que se tratara apenas de uma reunião de esclarecimento, convocada pelo Quartel-General, uma vez que nos comandos, de algumas Unidades, aparecia haver dúvidas sobre o que efetivamente se passara no Alto do Duque. O General Otelo sublinhou que não houvera qualquer convocatória para a reunião, havida na sede do COPCON, e que os militares que contestam Vasco Lourenço, ali haviam comparecido espontaneamente. Mais tarde deslocara-se ao Palácio de Belém para relatar ao Presidente da República o sucedido, tendo exposto ao General Costa Gomes a posição assumida pelos seus camaradas, que apenas o aceitam a ele para comandar a região militar de Lisboa. Deste contacto com Costa Gomes saíra a necessidade de convocar extraordinariamente, para a próxima segunda-feira, o Conselho da Revolução. Os Oficiais, na reunião de ontem, como foi apontado, não contestam a presença de Otelo Saraiva de Carvalho à frente da região militar de Lisboa e somente desejavam serem esclarecidos sobre a reunião do Forte do Alto do Duque, tanto mais que alguns órgãos de informação noticiaram que se tratou de uma reunião convocada, o que não corresponde à verdade. Entre as várias intervenções adidas no Quartel-General Militar de Lisboa, destaque-se a do Coronel Jaime Neves, Comandante do Regimento de Comandos, o qual reafirmou a grande amizade pessoal que o une a Otelo Saraiva de Carvalho, o que o levara a estar presente para que nenhuma dúvida prevaleça na sua Unidade. Refira-se que a reunião serviu também para abordar alguns aspetos da atual crise política e neste sentido no dizer dos Conselheiros da Revolução a Capitães Marques Júnior e Sousa e Castro, que também a ela assistiram, foi extraordinariamente útil para todos os presentes. Otelo Saraiva de Carvalho interrogado pelos jornalistas, comentou também a situação política, em Portugal, e aludindo ao sexto governo. Declarou que ao mesmo, 'cabe apenas governar-se em situações de força. Pois que um governo impõe-se pela sua atividade a favor do povo e da adesão desse mesmo povo, nas medidas que for tomando que lhe advém a sua força natural e incontestada'. Ainda no que respeita à sua substituição por Vasco Lourenço no comando da região militar de Lisboa, Otelo Saraiva de Carvalho classificou-a como uma medida de carácter puramente político, tomada pelo Conselho da Revolução a instâncias dos partidos que se encontram maioritariamente no atual governo, tanto mais que a sua posição nunca foi contestada pelas Unidades que comanda. O General Otelo Saraiva de Carvalho aludiu também à direção do plano de aliança Povo/MFA que acaba de ser entregue ao COPCON, nos seguintes termos, 'trata-se de um assunto que procurei chamar ao COPCON porque considero que a construção do socialismo, em Portugal, um socialismo de base que julgo possível construir no mundo, pode conseguir-se através de medidas concretas que nos levarão a dar passos muito seguros, em direção ao nosso objetivo'.12m28: Realiza-se hoje às dezasseis horas, junto à fonte luminosa, um comício / manifestação promovido pelo Partido Socialista e onde estarão presentes membros destacados deste partido, entre os quais o Secretário-Geral, Mário Soares.12m43: [Neste exato momento] centenas de membros do partido pró-Indonésio, APODETI, foram presos pelo movimento independência esquerdista FRETILIN, em Díli, capital do Timor português, anunciou hoje a agência noticiosa ANTARA, entre os presos incluem-se o Presidente do partido, Arnaldo Araújo, e o Secretário-Geral, José Osório Soares, dizia a ANTARA. A ANTARA dizia ainda que se ouviam todas as noites tiroteios entre tropas da APODETI e FRETILIN, em Díli.13m08: Washington, o porta-aviões John Kennedy e o cruzador Del knapp colidiram na noite de sábado durante um exercício naval, ao lado das costas da Sicília, anunciou o Ministério Americano da Defesa. Pentágono um tripulante, pelo menos, morreu e vários outros ficaram feridos.13m26: Ajácio, uma forte carga de plástico explodiu esta madrugada na porta principal da sede do ex-partido renascimento da Córsega. A explosão ocasionou importantes estragos no local, trata-se do quinto atentado anti autonomista decretado na Córsega, desde há um mês.13m45: Buenos Aires, um grupo de guerrilheiros introduziu-se, ontem, no Hospital de González Catán, a trinta e cinco quilómetros a oeste da capital Argentina e desapareceram depois de se terem apoderado de aparelhos cirúrgicos, anunciou a polícia Argentina. Depois de chegarem em vários carros, os revolucionários argentinos sobre a ameaça das suas armas, foram à sala de operações e levaram todo o material cirúrgico. Antes de evacuarem do local, os guerrilheiros cobriram as paredes da clínica, com frases revolucionárias. Novo boletim informativo na Emissora Nacional, às onze horas.14m31: Estado Maior General das Forças Armadas.14m49: Recomeça neste instante o programa especial do Estado Maior General das Forças Armadas, que a Emissora Nacional está a transmitir. Este programa aparece na rede metropolitana da Emissora Nacional, Onda Média e Frequência Modelada, todos os domingos de manhã, entre as nove e as onze e logo após o jornal da manhã. O Estado Maior General das Forças Armadas encarregou um grupo de trabalho, de o realizar através das vozes e da música que por aqui vai passando, o MFA dá os bons dias aos militares, aos portugueses.18m05: (Laurinda) Querido primo Aníbal, em primeiro lugar, a tua saúde, assim como a da Lídia e dos meninos. Eu por cá, vou de mal a pior. Cá recebi a tua carta e peço-te desculpa de só agora te responder, mas a tua prima tem andado muito mal dos ossos. O reumático não me deixa trabalhar. Já não sou como quando era nova. Perguntavas-me na tua carta se fui ao Doutor. Olha primo Aníbal, ainda te deves lembrar desta nossa pobre aldeia, tão abandonada. Para ir ao hospital tenho de ir a Chaves. Levantar-me de madrugada e perder o dia no Doutor. Além da despesa ser muito para as nossas posses, o Doutor manda-me fazer um rol de coisas que eu não posso fazer. Continuo a aplicar os sinapismos da tia Rosa, que é quem ainda me tem valido. A santa mulher é quem vale a toda esta terra. Não sei o que será da gente quando ela morrer e já está tão velhinha. Agora me lembro que já foi ela a parteira da tua mãe. Foi ela que te deu o primeiro banho. Mas que estou eu para aqui a dizer. Desculpa, primo Aníbal, que já me perdi no meio das palavras. Vou continuar a responder à tua cartinha. Mandaste-me dizer que não entendias a minha maneira de ver as coisas. Olha, querido primo, a maneira que tenho de ver as coisas é muito simples, não posso trabalhar como antigamente e as quarelas já não dão para o sustento da casa, quanto mais para pagar a quem as amanha. Não há dinheiro que chegue. A gente do campo não vê futuro na vida. É uma desgraça, primo Aníbal. Está tudo tão caro, só o que a gente colhe da terra, com o nosso suor, é que não vale nada. O gado, que com tantos sacrifícios engordamos, custa mais caro a nós, que a vocês de Lisboa, que nada fizeram para o criar. Tu que conseguiste estudar, tens de me explicar esta vergonha. Cá para mim, é fazer pouco do pobre das aldeias. O que nos vale é as couves e as batatas da horta, que nos vai matando a fome. Às vezes ponho-me a pensar que vocês, em cidade, vivem bem à conta das nossas desgracias. No outro dia, toda eu me revoltei a ouvir a telefonia, em casa da tia Ana. Calcula tu, que o homem que botava a fala, dizia que as gentes da província eram atrasadas e precisavam de ser politizadas. Aí, Aníbal, até me apeteceu abalar até Lisboa, para dizer cá umas palavrinhas a esse 'home'. Queria dizer-lhe que nós não somos atrasados, somos é roubados e tratados, por essa gente, como cães vadios. Diz primo Aníbal aí a esse 'home' da telefonia que 'racionário', não sei bem que palavra é essa, para mim é quem não trabalha e desavergonhadamente dá conselhos a quem não lhe encomendou sermão. Diz-lhe isto mesmo, somos a gente mais desgraçada que há, não temos 'letricidade', nem cagadeiras lavadas, nem caminhos, nem Doutor para os nossos males, nem escolas para aprendermos a não ser enganados. Vivemos como bestas no curral, tiram-nos tudo o que e preciso. Vivemos sozinhos, num grande abandono para os senhores da cidade viverem à nossa custa. É isso mesmo. E veem agora explicar à gente que não valemos nada e somos uns malandros duns 'racionários'. Se tu, primo, tens estudos, matou-se o teu pai a trabalhar para tos dar, foste para Lisboa e fizeste-te um senhor importante, começas a ter desprezo pela família desta aldeia de analfabetos e agora já não compreendes os nossos males. É contigo, primo Aníbal, que estou admirada. O tio Joaquim matou-se a trabalhar, em França, para ajudar a tua família. Nós todos labutamos a vida inteira, mas a miséria e a velhice chegam de uma assentada. Quem nos vai valer e tratar de nós? Ainda outro dia houve em Savariz porrada a valer. Sabes porquê? Apareceram aqui uns carros com altifalantes, a fazer propaganda e a dizer que era preciso que a gente se unisse. Foi o que o povo fez, uniu-se e correu com aquela canalha de meninos. Olha deve ter sido a última vez em que me ri com gosto. Anda a gente nesta grande miséria e aquela canalha a dizer que nós somos patrões e proprietários e roubamos os que tr+F8abalham. Foi a Adélia que leu os papéis que eles andavam a distribuir. O Manel da tenda ainda chegou a filar um deles pelos gorgomilos, só largou o menino das manápulas quando ele vomitou tudo o que tinha dito. Se calhar é por estas coisas a sucederem que o povo das aldeias é 'racionário'. Que raiva que eu sinto, primo Aníbal. Olha, escreve-me na volta do correio e diz-me o que pensas. Desculpa esta linhas e estes desabafos, por hoje vou terminar esta, com muitos beijinhos para os meninos, um saudoso abraço para a tua mulher e outro muito grande para ti. Já me esquecia de te dizer, arranjei-te aqui um cabazinho com uma frutinha e um salpicão para ti e para os teus. É poucachinho, mas é de boa vontade. É o que a prima ainda te pode dar. Escreve na volta do correio. Mais um grande e saudoso abraço da tua prima, muito amiga, Laurinda.28m44: (Aníbal) Querida prima Laurinda, recebi a sua carta e não vou atrasar nada a resposta, apesar de andar com muito trabalho. Li-a com muita atenção. A coisa que mais me chocou, foi a prima dizer que eu já não entendia a sua maneira de ver as coisas. Tenho aqui uns apontamentos da minha última carta e neles encontrei facilmente o assunto onde a prima deve ter feito confusão. Devo confessar que, às vezes, emprego umas palavras que não são conhecidas para vocês, o que, naturalmente, dá origem a confusões, sendo, por tanto, a culpa toda minha. Terei de me esforçar neste aspeto, uma vez que a distância não nos permite visitas frequentes, o que lamento, porque, de facto, não tenho vergonha nenhuma das gentes das aldeias. Eu próprio continuo a viver na cidade, mas por força das circunstâncias, a fazer por norma coisas que não gosto lá muito de fazer, mas enfim. Um outro aspeto do mesmo problema, que a prima levanta na sua carta em linguagem muito simples. Vou então explicar melhor o que lhe pretendia dizer. A prima tem razão quando diz que as cidades exploram os campos. É um facto. Mas não podemos ficar por aí, o problema tem de ser visto mais profundamente, até à raiz. A revolução social que se tornou possível com os militares, tem de alterar estas coisas e estas coisas têm um nome esquisito, chamam-se modo de produção capitalista, ou seja, a maneira dos ricaços viverem à custa dos pobres.