Programa de Intervenção Social realizado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) (Programa 3, Trilha 2): o Campo versus a Cidade.
Nível de descrição
Documento simples
Código de referência
PT/ADN/EMGFA/5DIV/022/006
Título
Programa de Intervenção Social realizado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) (Programa 3, Trilha 2): o Campo versus a Cidade.
Datas de produção
1974
a
1974
Dimensão e suporte
1 ficheiro áudio MP4, 26m42.
Âmbito e conteúdo
Segunda parte do Programa emitido pela Emissora Nacional e produzido pelo Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), que faz a comparação entre a vida no campo e a vida nas cidades, dois mundos diferentes e desunidos. Apela-se à luta contra o sistema capitalista no sentido de se caminhar para o socialismo e tecem-se duras criticas à produção irracional com o intuito exclusivo do lucro. Leitura de uma carta da Laurinda, que vive no campo, ao primo Aníbal, que vive em Lisboa, expondo as suas dificuldades e explanando as suas queixas. As várias temáticas abordadas são intercaladas com música.
Cota antiga
P3S2
Idioma e escrita
Português
Existência e localização de originais
Áudio analógico (em fita de arrasto).
Existência e localização de cópias
Ficheiros digitais WAP (matriz), MP3 e MP4 (derivadas).
Transcrição
03m33: Caminhar para o socialismo, socialismo em liberdade, amplas liberdades democráticas, poder popular, aliança operária e camponesa, bloco social de apoio, revolução socialista, são estas e muitas outras de teor semelhante, as palavras de ordem mais marteladas aos ouvidos das pessoas.04m26: Na realidade, dois mundos diferentes e desunidos que se defrontam neste pequeno retângulo que nós somos e onde nós estamos. O mundo dos campos, o mundo das cidades.05m06: No primeiro o atraso, a ignorância, o abandono das populações, a miséria, famílias divididas, desencontradas, destruídas na fuga imparável de milhões de portugueses, única forma encontrada para não morrer de fome.06m10: A agricultura representa, hoje, somente um quinto da totalidade das coisas produzidas no nosso país, é insuficiente, lamentavelmente insuficiente, para as necessidades de todos nós. Compram-se no estrangeiro os cereais que nos faltam, o trigo, o milho. Compram-se no estrageiro as carnes que não temos, a vaca, o porco. Gastamos em tudo isto a importância espantosa de vinte milhões de contos por ano.07m16: No segundo mundo, o das cidades, vivemos a produção industrial na mira do lucro, o capitalismo, a produção irracional. A concentração, as cidades, as fábricas, o consumo, cada vez mais o consumo.10m17: É imperioso e urgente lutar pela independência nacional. Lutar pela independência nacional, é lutar contra o irracionalismo criminoso do sistema capitalista.11m15: Nem todas as mercadorias que se fabricam, são bens sociais úteis a toda a gente, produz-se é com um só fim em vista, o lucro. Se acontece às vezes que as mercadorias são úteis, também é verdade que podem ser e são inúteis ou prejudiciais. O que é preciso, não é verdade, é que o tal lucro seja assegurado, é esta a lei, a selvajaria do capitalismo. As cidades são monstros mortais, quer dizer, matam, mas também estão destinadas a morrer. Labirintos anárquicos e absorventes que tudo condicionam aos ritmos e cadências que a acumulação do capital exige, parar é morrer. Crescer, aumentar, acumular é a lei. Mas essa lei obriga a matar, todos os dias, milhões de possibilidades de vida, no frenesim absurdo do desenvolvimento capitalista. O mundo dos campos. O mundo das cidades.12m56: Todos nós somos responsáveis por estes mundos opostos. Mas sabemos que estes mundos têm de estoirar, estoirar, ou a revolução social faz estoirar os mecanismos coloniais que ordenam às cidades a escravatura dos campos ou então não será revolução.15m12: (Laurinda) Querido primo Aníbal, em primeiro lugar a tua saúde, assim como a da Lídia e dos meninos. Eu por cá vou de mal a pior. Cá recebi a tua carta e peço-te desculpa de só agora te responder, mas a tua prima tem andado muito mal dos ossos. O reumático não me deixa trabalhar. Já não sou como quando era nova. Perguntavas na tua carta se fui ao Doutor, olha primo Aníbal ainda te deves lembrar desta nossa pobre aldeia, tão abandonada. Para ir ao hospital tenho de ir a Chaves, levantar-me de madrugada e perder o dia no Doutor, além da despesa ser muito para as nossas posses, o Doutor manda-me fazer um rol de coisas que eu não posso fazer. Continuo a aplicar os sinapismos da tia Rosa, que ainda é quem me tem valido. A Santa mulher é quem vale a toda esta terra. Não sei o que será da gente quando ela morrer e já está tão velhinha. Agora me lembro que já foi ela a parteira da tua mãe, foi ela que te deu o primeiro banho, mas que estou eu para aqui a dizer. Desculpa primo Aníbal, que já me perdi no meio das palavras, vou continuar a responder à tua cartinha. Mandaste-me dizer que não entendias a minha maneira de ver as coisas. Olha querido primo, a maneira que tenho de ver as coisas é muito simples, não posso trabalhar como antigamente e as querelas já não dão para o sustento da casa, quanto mais para pagar a quem as amanha. Não há dinheiro que chegue. A gente do campo não vê futuro na vida. É uma desgraça primo Aníbal, está tudo tão caro. Só o que a gente colhe da terra, com o nosso suor é que não vale nada. O gado, que com tantos sacrifícios engordámos, custa mais caro a nós que a vocês de Lisboa, que nada fizeram para o criar. Tu que conseguiste estudar, tens de me explicar esta vergonha, cá para mim é fazer pouco do pobre das aldeias. O que nos vale é as couves e as batatas da horta, que nos vai matando a fome. Às vezes ponho-me a pensar que vocês, na cidade, vivem bem à conta das nossas desgracias. No outro dia, toda eu me revoltei a ouvir a telefonia em casa da tia Ana. Calcula tu que, o homem que botava a fala, dizia que as gentes da província eram atrasadas e precisavam de ser politizadas. Aí Aníbal, até me apeteceu abalar até Lisboa, para dizer cá umas palavrinhas a esse 'home'. Queria dizer-lhe que nós não somos atrasados, somos é roubados e tratados por essa gente como cães vadios. Diz primo Aníbal, aí a esse 'home' da telefonia que 'racionário', não sei bem que palavra é essa, para mim é quem não trabalha e desavergonhadamente dá conselhos a quem não lhe encomendou sermão. Diz-lhe isto mesmo, somos a gente mais desgraçada que há, não temos 'letricidade', nem cagadeiras lavadas, nem caminhos, nem Doutor para os nossos males, nem escolas para aprendermos a não ser enganados. Vivemos como bestas no curral, tiram-nos tudo o que é preciso, vivemos sozinhos num grande abandono, para os senhores da cidade viverem à nossa custa. É isso mesmo e veem agora explicar à gente que não valemos nada e somos uns malandros duns 'racionários'. Se tu, primo, tens estudos, matou-se o teu pai a trabalhar para tos dar. Foste para Lisboa e fizeste-te um senhor importante, começas a ter desprezo pela família desta aldeia de analfabetos e agora já não compreendes os nossos males. É contigo, primo Aníbal, que estou admirada. O tio Joaquim matou-se a trabalhar, em França, para ajudar a tua família. Nós todos labutámos a vida inteira, mas a miséria velhice chegam de uma assentada. Quem nos vai valer e tratar de nós? Ainda outro dia houve em Savariz porrada a valer. Sabes porquê? Apareceram aqui uns carros com altifalantes, a fazer propaganda e a dizer que era preciso que a gente se unisse. Foi o que o povo fez, uniu-se e correu com aquela canalha de meninos. Olha deve ter sido a última vez em que me ri com gosto. Anda a gente nesta grande miséria e aquela canalha a dizer que nós somos patrões e proprietários e roubamos os que trabalham. Foi a Adélia que leu os papéis que eles andavam a distribuir. O Manel da tenda ainda chegou a filar um deles pelos gorgomilos, só largou o menino das manápulas quando ele vomitou tudo o que tinha dito. Se calhar é por estas coisas a sucederem que o povo das aldeias é 'racionário'. Que raiva que eu sinto, primo Aníbal. Olha, escreve-me na volta do correio e diz-me o que pensas. Desculpa esta linhas e estes desabafos, por hoje vou terminar esta com muitos beijinhos para os meninos, um saudoso abraço para a tua mulher e outro muito grande para ti. Já me esquecia de te dizer, arranjei-te aqui um cabazinho com uma frutinha e um salpicão para ti e para os teus. É poucachinho, mas é de boa vontade. É o que a prima ainda te pode dar. Escreve na volta do correio. Mais um grande e saudoso abraço da tua prima, muito amiga, Laurinda.24m42: Já estamos a receber boatos para o concurso e devemos dizer que alguns mesmo enviados em uma ou outra carta que não está identificada têm bastante graça e estão, como era de esperar, relacionados com a atual situação política em Portugal. Os que por esquecimento ou afazeres ainda não nos deram as provas da sua imaginação, poderão contatar connosco pelo endereço conhecido, Programa do Estado Maior General das Forças Armadas ou Programa das Forças Armadas, Emissora Nacional, Rua do Quelhas, Lisboa 1. Ao inventar boatos ajudamos a destruir essa arma terrível que, ultimamente, tanto desassossego traz às pessoas, de preferência a sorrir. Estado Maior General das Forças Armadas. Foi assim a edição de hoje do programa de intervenção social, realizado por incumbência do Estado Maior General das Forças Armadas. Este programa realizado por um grupo de trabalho aparece na Emissora Nacional aos domingos, pelo fim da manhã, entre as onze e o meio-dia, por enquanto. Pela sua voz e através da sua música o MFA dá os bons dias aos militares, aos portugueses.