Programa de Intervenção Social realizado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) (Programa 10 (I), Trilha 1): Intervenção do tenente-coronel Costa Neves sobre o 25 de Novembro.
Nível de descrição
Documento simples
Código de referência
PT/ADN/EMGFA/5DIV/022/031
Título
Programa de Intervenção Social realizado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) (Programa 10 (I), Trilha 1): Intervenção do tenente-coronel Costa Neves sobre o 25 de Novembro.
Datas de produção
1976
a
1976
Dimensão e suporte
1 ficheiro áudio MP4, 29m31
Âmbito e conteúdo
Programa emitido pela Emissora Nacional e produzido pelo Estado-Maior General das Forças Armadas, com a intervenção de José Manuel Costa Neves, 35 anos de idade, tenente-coronel engenheiro da Força Aérea (um dos oficiais do 25 de Abril de 74). Esclarecimento sobre o 25 de Novembro do ponto de vista político e jurídico. Criação de uma Comissão de Inquérito, nomeada pelo Conselho da Revolução com a competência para investigar e apurar os factos sobre o 25 de Novembro (instrução do processo). Papel da Policia Judiciária Militar a quem cabe apurar as responsabilidades criminais. Viagem que fez a Custoias e da transferência da Comissão de Inquérito e serviço da Policia Judiciária Militar para o Porto. Volta a falar do 25 de Novembro, o que foi, e sobre as várias opiniões existentes e que os trabalhos em curso, apurarão a verdade: o que foi, o que o motivou e quem interveio. Fala do seu cargo para superintender os Serviços Prisionais Militares e das anomalias que existem nesse serviço. As várias temáticas são intercaladas com música.
Cota antiga
P10P1
Idioma e escrita
Português
Existência e localização de originais
Áudio analógico (em fita de arrasto)
Existência e localização de cópias
Ficheiros digitais WAP (matriz), MP3 e MP4 (derivadas).
Transcrição
Estado Maior General das Forças Armadas. Está no ar a partir deste momento mais uma edição do programa especial do Estado Maior General das Forças Armadas, realizado sob sua incumbência por um grupo de trabalho. Este programa de intervenção social aparece na antena da radiodifusão portuguesa, primeiro programa, Onda média e Modelação de Frequência, todos os domingos entre as nove e as onze da manhã. Por intermédio das vozes e da música que por aqui vão passar o MFA apresenta os bons dias aos militares, aos portugueses.08m19: O meu nome é José Manuel Costa Neves, trinta e cinco anos de idade, natural das Caldas da Rainha e atualmente sou Tenente-Coronel Engenheiro da Força Aérea. Interessa-nos esclarecer o tão rapidamente quanto nos for possível a verdade do 25 de Novembro e concluir efetivamente, quer sobre o ponto de vista político, quer sobre o ponto de vista jurídico o que foi o 25 de Novembro. Estamos muito inclinados para acreditar que os militares não têm sido mais do que marionetas, do que peões de brega em toda a história política deste país. Neste momento e no nosso país a realidade é a existência de forças partidárias, umas com mais força, outras com menos força, outras mais organizadas, outras menos, mas fundamentalmente são essas forças partidárias que movimentam as pessoas, quer civis, quer militares.09m55: (José Manuel Costa Neves) Sobre o 25 de Novembro, eu julgo que já é do conhecimento público a maneira como está a decorrer e como se organizaram as entidades responsáveis pela investigação e, posteriormente, a fase de instrução de processos dos eventuais implicados. Temos, portanto, uma Comissão de Inquérito, que foi nomeada pelo Conselho da Revolução, a quem compete, exclusivamente, determinar a história do 25 de Novembro e eventualmente, se for caso disso, e com base nas conclusões tiradas das investigações feitas, propor ao Conselho da Revolução diversas medidas corretivas, no sentido de evitar casos semelhantes que, em nossa opinião, venham de onde vierem, só prejudicam o processo revolucionário que nós pretendemos levar a cabo. Simultaneamente aos trabalhos da comissão de inquérito e com uma finalidade totalmente diferente, trabalha a Polícia Judiciária Militar, ou mais precisamente o Serviço de Polícia Judiciária Militar, e eu faço entre parênteses, que este serviço de Policia Judiciária Militar foi um serviço criado, exclusivamente, para tratar dos casos que lhe são cometidos pelo Conselho da Revolução, existindo, no entanto, como já do anterior vinha, vinha acontecendo e quando digo do anterior, mesmo antes do 25 de Abril, existe, no entanto, dizia a Polícia Judiciária Militar vulgar em todas as unidades que existem, portanto, este serviço de Polícia Judiciária Militar é um serviço especialmente criado para apoiar o Conselho da Revolução de quem depende diretamente. Ao serviço de Polícia Judiciária Militar compete apenas apurar as responsabilidades criminais. Para o efeito e como é lógico, não é, nos seus trabalhos o serviço de Policia Judiciária Militar baseia-se exclusivamente nas leis vigentes, não é, portanto, eu gostaria também de dizer que não se pode acusar, como já ouvi, a Polícia Judiciária Militar de ser menos revolucionária, por um lado, mais revolucionária também já tem sido acusada, por outro, não há razão absolutamente nenhuma, neste momento, porque se alguma coisa é mais ou menos revolucionária, essa coisa serão as leis que neste momento estão em vigor. Agora, um organismo do tipo de uma Polícia Judiciária para não cometer arbitrariedades tem que se basear, exclusivamente, nas leis em vigor. Devo também dizer a este respeito e porque afirmei à pouco que são as leis e meu entender deverão ser apelidadas de mais ou menos revolucionárias e não os serviços que com elas trabalham, que nesse sentido, muito embora não nos competindo o serviço de Polícia Judiciária Militar está a fazer um esforço para corrigir determinadas leis, que com a sua curta experiência, têm verificado não estarem atualizadas, nem sequer irem ao encontro das atuais necessidades do processo que pretendemos levar à frente.14m22: (José Manuel Costa Neves) Fiz uma viagem a Custóias, uma única, e eu e o meu camarada Marques Júnior também do Conselho da Revolução, aliás Superintendente da Comissão de Inquérito, para melhor compreendermos a maneira como estavam a decorrer os trabalhos, dado o volume de detidos do 25 de Novembro, a cadeia que estava em condições de os receber era Custóias, portanto, transferimos todos os meios de investigação, Comissão de Inquérito e Serviço de Polícia Judiciária Militar, para o Porto. Foi neste sentido, dado que nós estávamos em Lisboa, bastante afastados no espaço, fomos, a nossa visita teve exclusivamente a intenção de contactarmos de perto com os camaradas que estavam a trabalhar no Porto e melhor nos apercebermos das suas dificuldades, para assim, melhor podermos interferir no sentido de as eliminarmos ou pelo menos diminuirmos, não é, e tanto quanto possível acelerar, acelerar todos os trabalhos relativos ao 25 de Novembro. Contactamos também com os detidos e não quero perder a oportunidade para dizer, dado que tudo isso tem, dado que este ponto tem sido bastante controverso, que era aquele que diz respeito à incomunicabilidade dos detidos, efetivamente, houve um período de incomunicabilidade, que eu neste momento não posso precisar de quanto tempo, mas o que é facto quando as especulações começaram a surgir nos jornais, eles efetivamente já não estavam no regime de incomunicabilidade, mas sim no regime de isolamento. Eu passo a explicar porquê, no regime de incomunicabilidade os detidos não podem contactar com o exterior, de modo algum, nem tão pouco com os outros detidos, neste caso particular os camaradas que se encontravam na mesma situação, não podem receber correspondência ou enviar correspondência, não podem ler jornais, etc., rádio, televisão. Ora como é do conhecimento público, no que diz respeito ao caso particular de Custóias, isso não se verificou, daí cartas dos detidos saírem cá para fora, os contatos que tinham com pessoas de família, com outros camaradas até, portanto, não houve uma rigidez do regime de incomunicabilidade. Passando ao regime de isolamento devo também dizer que foi um tanto ou quanto fictício, na medida em que numa cadeia como Custóias era absolutamente impossível impedir que eles comunicassem uns com os outros. Portanto, formalmente o regime de incomunicabilidade existiu o regime de isolamento existiu, mas na prática nem um, nem outro existiram da forma como se pretendeu por vezes fazer crer à opinião pública, como é evidente toda a nossa preocupação, neste momento, é resolver o problema do 25 de Novembro, com a maior rapidez possível, cientes, até pela experiência que já temos, que numa quantidade tão grande de detidos aos, com menos culpa, com mais culpa, portanto, tanto quanto possível e até talvez inocentes, e até talvez inocentes, e portanto interessa-nos esclarecer, o tão rapidamente quanto nos for possível a verdade do 25 de Novembro e concluir efetivamente, quer sobre o ponto de vista político, quer sobre o ponto de vista jurídico o que foi o 25 de Novembro. Aliás há várias hipóteses, há pessoas que dizem que foi uma mera insubordinação militar, há outros que dizem que efetivamente o 25 de Novembro não foi nada foi apenas uma luta reivindicativa, etc., etc., há variadíssimas opiniões e eu espero, tenho muita esperança que realmente os trabalhos agora em curso apuraram com certeza, senão a verdade total pelo menos grande parte da verdade daquilo que foi e daquilo que motivou e de quem interveio no 25 de Novembro.19m38: (José Manuel Costa Neves) Quando o Conselho da Revolução me nomeou para Superintender os Serviços Prisionais Militares, vários colaboradores meus puseram-me a par de muitas anomalias que se passavam nessa altura nos Serviços Prisionais Militares, em que, a maioria dessas anomalias não eram efetivamente do, não eram da responsabilidade dos funcionários dos Serviços Prisionais Militares, mas sobretudo das pessoas a cargo de quem estavam as investigações e portanto, logo pela minha, o meu primeiro ato foi emitir determinadas diretivas em que me comprometi, à partida, com a afirmação inicial que acabei de fazer, que repito, era a existência de arbitrariedades e de maus tratamentos às pessoas que se encontravam detidas. Ao emitir essa diretiva, como já disse foi bastante controversa, até porque ao fazê-lo, estava a assumir uma responsabilidade grande porque correspondia a uma acusação, às citadas anomalias que eu sabia terem existido. Devo também dizer que esses elementos me vieram através dos Serviços Prisionais Militares, portanto, o que demonstra também a afirmação que eu atrás fiz de que a maior, a grande responsabilidade de muita coisa anómala que se passou não era da responsabilidade dos Serviços Prisionais Militares, mas fundamentalmente dos inquiridores e das entidades responsáveis pelas detenções e nem vale a pena falar disto, porque a maior parte das coisas já saiu nos jornais, com mais ou menos verdade, mas aí na essência estão corretas, em que nessa diretiva eu dizia, por exemplo, depois de exigir a identificação de todos os inquiridores com credenciais devidamente assinadas e seladas, com os selos brancos dos respetivos serviços. Eu exigia que, fosse qual fosse o pretexto, nos estabelecimentos prisionais militares não seriam permitidos quaisquer métodos de tortura física ou psicológica. Compete aos comandantes dos presídios velar pelo comprimento desta regra. Esta era a redação deste ponto, isto, portanto, como é o comprometimento digamos, era uma acusação, não era um comprometimento, era uma acusação do que se estava a passar, que na altura provocou, como já disse, uma certa, uma certa reação por parte de alguns camaradas meus, mas que face a determinados elementos que eu possuía e a afirmações que me tinham sido feitas de pessoas da minha confiança, deu-me força para a manter e de uma vez por todas para acabar com a controvérsia. Esta era de 12 de Junho 75. Havia uma anterior a esta, talvez de fins de Maio, agora não posso precisar a data, mas talvez fins de Maio, e esta uns doze dias depois por razões de metodologia, porque realmente a diretiva redigida por mim, implicava certas dificuldades aos processos de investigação em curso e eu vi-me obrigado a modificar, mas pontos de sua menos importância. Mas a reação foi de muito poucos camaradas e estou convencido, sobretudo porque na altura não se aperceberam bem ou não deram importância devida, realmente à negação de alguns dos mais elementares direitos de todo o homem e de todo o cidadão e que estavam a ser violados, não é.24m08: (José Manuel Costa Neves) Outro ponto interessante, era dar aos reclusos a possibilidade de reclamar por escrito quanto à forma como os interrogatórios decorriam, dizendo para o efeito que os inquiridores deveriam obrigatoriamente comunicar no início do interrogatório, comunicarem aos inquiridos os seus direitos de reclamação e dada também poderes aos Comandantes dos presídios para poderem fiscalizar, digamos, sem permanecer, para não haver prejuízo para a investigação, fiscalizarem até certo ponto que realmente as inquirições estavam a processar-se dentro das regras normais de inquirição, portanto, quer isto dizer sem pressões psicológicas, sem pressões físicas.25m15: (José Manuel Costa Neves) Tive contactos com membros do Comité Russell tive contacto com eles, e, mas fundamentalmente sobre a situação dos detidos do 25 de Novembro, que devo dizer que há parte, o facto de serem reclusos, por si só, é bastante deprimente e das próprias condições prisionais, que não eram as melhores, porque realmente, Custóias não é uma prisão que tivesse umas condições prisionais, sobretudo para tantos detidos num regime de isolamento, como estavam esses camaradas, chegou a, portanto, quanto a tratamento não há dúvida nenhuma que o regime prisional não era, não era de modo algum, aquilo que por vezes também quiseram fazer crer, e sobretudo sobre o ponto de vista humano, eles eram tratados com todo o respeito, quer pelos camaradas, quer pelo próprio pessoal prisional, ao ponto da própria situação em que foram colocados pela Comissão de Inquérito, incomunicabilidade primeiro, isolamento depois, não serem levados à risca por razões várias e aqui, não pretendo acusar ninguém, mas pura e simplesmente sobretudo acusar a nossa falta de saber e nessa falta de saber incluo-me a mim próprio, a nossa falta de organização, que também referi a propósito da Comissão de Inquérito de 11 de Março, não é, as coisas realmente no que diz respeito ao 11 de Março não correram de modo algum da forma como correram no 25 de Novembro.27m26: (José Manuel Costa Neves) Posso adiantar também com base nos elementos que já estão em nosso poder e também com base na história dos sacrifícios dos militares depois do 25 de Abril que estamos muito inclinados para acreditar que os militares não têm sido mais do que marionetas, do que peões de brega, em toda a história política deste país. É evidente que não lhe posso responder de quem, porque não temos, não temos ainda os elementos suficientes para poder afirmar o que quer que seja. Estou convencido porque precisamente lógico pensar que seria impossível, não é, um individuo ou um pequeno grupo de indivíduos manobrar quem quer que fosse, portante, neste momento e no nosso país a realidade é a existência de forças partidárias, umas com mais força, outras com menos força, outras mais organizadas, outras menos, mas fundamentalmente são essas forças partidárias que movimentam as pessoas, quer civis, quer militares e por consequência eu não acredito, de maneira nenhuma, muito embora seja uma opinião pessoal, que as pessoas se movimentam por mero acaso ou pura e simplesmente porque A, B ou C tem determinadas, determinadas tendências ideológicas. Acredito, sim senhor, que há forças políticas por trás de toda e qualquer movimentação desde o 25 de Abril até à data atual.